quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Castlevania Bloodlines: A jóia esquecida da franquia!




Quando você pensa em Castlevania raiz, quais são as palavras que vêm primeiro à sua cabeça? Nintendo, talvez? ou Dracula? ou quem sabe o nome Belmont?

E se eu te dissesse que um dos melhores games da franquia não só deixa de lado os Belmonts como protagonistas ou Drácula como vilão principal, mas também foi produzido para um console da SEGA, maior concorrente da Nintendo na época? Pra alguns, parece difícil de acreditar, mas esses são alguns dos elementos que marcaram Castlevania Bloodlines.

Por alguma razão esse título, produzido para Sega Genesis (conhecido como Mega Drive aqui em terras tupiniquins) é um dos menos comentados da franquia, mesmo considerando a enorme quantidade de títulos que a mesma acumulou ao longo dos anos. Até  Rondo of Blood, que só chegou oficialmente ao ocidente portado com o remake Dracula X Chronicles no PSP (e aquele port cagado chamado Dracula X de SNES não conta), é mais conhecido. Mas por que isso? será esse game um tesouro esquecido, ou deveria ele ter permanecido ignorado, tal qual um pedaço de carne escondido dentro de uma parede no cafofo do conde?

Bom, pegue seu chicote, uma água benta ou cruz por precaução, um pernil de parede fresquinho caso dê fome, e VAMOS DESCOBRIR!

Comecemos do princípio: de que se trata o jogo?


 O ano é 1914, e a maligna condessa Elizabeth Bartley é ressuscitada "acidentalmente" pela bruxa Dolta Tzoltes. Sem perder tempo, ela decide ressuscitar seu tio, ninguém mais ninguém menos que o Draculão em pessoa, morto anos antes por Quincey Morris (sim, o do livro de Bram Stoker), descendente distante do clã Belmont. Para isso, ela orquestra o assassinato do príncipe da Áustria, dando início à Primeira Grande Guerra Mundial, almejando usar as almas dos mortos no conflito para reviver o vampiro. Numa época em que os Belmonts estão impossibilitados de usar o lendário chicote Vampire Killer, cabe aos novos heróis John Morris, filho de Quincey e também descendente dos Belmont, além de definitivamente ser frequentador de academia e assinante do canal do Léo Stronda, e Eric Lecarde, Portador da Lança de Alucard e buscando vingança pela transformação de sua amada, Gwendolyn, em vampira, pôr um fim aos planos malignos de Bartley e Drácula e carregar a tocha do legado dos Belmont.

Nossos intrépidos protagonistas.

Logo de início dá pra ver que temos mais trama aqui do que é o normal pra um Castlevania antigão, cujo enredo geralmente se reduzia a "chegue ao final do castelo sem sofrer calvície prematura causada pelo estresse e chicoteie a cara do Bela Lugosi". Claro que já tínhamos alguns jogos que expandiram a mitologia da série, principalmente no caso de Castlevania 3, mas esse aqui foi o primeiro a estabelecer outros heróis e vilões para a série além dos Belmont e de Drácula, carregando a franquia numa direção diferente e que seria continuada por títulos futuros, principalmente em Portrait of Ruin, que viria a ser uma continuação direta deste aqui. Por isso, merece destaque.

Mas claro que enredo não é o foco aqui. Afinal, a gente veio pra tacar a chibata na cara do Christopher Lee (que deus o tenha). Logo, vamos partir para a parte mais importante do jogo: Gameplay.

Eric eviscera os monstros com sua lança.



Já John, mais tradicionalista, prefere seu chicote.


Tenho que confessar que tenho sentimentos mistos sobre o Gameplay, mas vou falar primeiro sobre as coisas que me agradaram. Como já disse, temos aqui dois heróis, John e Eric, e cada um tem uma arma diferente e habilidades únicas que mudam quase totalmente a experiência de jogo. John é o mais próximo do estilo clássico de Castlevania, brandindo a Vampire Killer e sendo capaz de chicotear na horizontal quando no solo e na diagonal ou diretamente para baixo quando pulando, enquanto Eric conta com sua lança e pode atacar tanto na horizontal quanto na diagonal, além de diretamente para cima, quando no solo, mas só podendo atacar na horizontal quando no ar,e não sendo capaz de atacar para baixo. Isso torna o combate radicalmente diferente, encorajando o jogador a experimentar cada personagem.

As armas adicionais também estão de volta, porém em menor quantidade, pois aqui só temos a água benta, o machado e o bumerangue, e pode apostar suas pregas que a melhor arma pra se ter aqui é o machado, já que muitos dos inimigos são maiores que o jogador ou voadores, então poder acertá-los no ar é uma bênção. Uma novidade é que podemos coletar um Power Up extra para as armas dos personagens, que mudam a sub arma atualmente em uso para um ataque especial distinto para cada um: No caso de Eric, temos uma explosão que ocupa a maior parte da tela e causa quantidades massivas de dano, enquanto Morris tem acesso a uma espécie de raio que viaja pela tela em um padrão errático.

Além disso, as armas de cada um lhes proporcionam habilidades especiais distintas: O chicote de John Morris permite que ele se pendure em estruturas acima dele e as use para se balançar, como fazíamos nos aros em Super Castlevania 4, enquanto a lança de Eric permite que ele realize um super pulo que o possibilita de acessar áreas mais elevadas, além de causar dano aos inimigos e deixar o jogador invencível pela duração do pulo. Isso modifica bastante a progressão, já que um personagem, em determinados momentos, vai ter acesso a uma rota que não pode ser acessada por outro , com diferentes inimigos e itens a serem encontrados, o que acrescenta uma variedade interessante aos desafios enfrentados por cada um.

No entanto, toda essa variedade é uma faca de dois gumes: se por um lado ela aumenta o fator replay e estimula o jogador a explorar todos os estilos de jogo, também causa um certo desbalanceio nos personagens, com Eric sendo muito mais poderoso que John. Isso acontece por diversos motivos: primeiro, a lança tem mais alcance que o chicote, além de sofrer menos delay na hora de atacar. Além disso, há o pulo de Eric, que causa dano aos inimigos e deixa o jogador invencível por um curto período de tempo, o que é uma baita mão na roda contra os chefões. Caramba, até o ataque especial de Eric é muito mais poderoso, cobrindo mais área e causando mais dano ao inimigo que o de John. Dito isso, é provável que a gameplay de Eric apeteça mais os jogadores que preferem uma aventura mais fácil, enquanto os jogadores das antigas vão preferir a familiaridade do estilo de Morris. Mas de qualquer forma, um pouco mais de balanço não teria feito mal.

Falando em dificuldade, esse é provavelmente o Castlevania mais piedoso com o jogador até então. Além do jogador ter mais energia aqui do que em outros jogos, os inimigos causam um dano mais consistente e tem hitboxes menos roubadas do que em títulos anteriores, além de ser mais fácil encontrar itens de cura e armas úteis, já que não só as velas que escondem as armas são distintas das que ocultam munição e pontos, permitindo que o jogador mantenha, com mais segurança, o equipamento que mais lhe agrada, como também as paredes que ocultam itens de cura são marcadas, assim você não precisa chicotear cada parede que você encontra. Não se engane, você ainda vai morrer mais que jogador de Dark Souls que decide ir pra catacumbas depois de chegar em Firelink Shrine, mas dá pra se virar bem se você tiver cuidado.

Os pernis são mais fáceis de achar aqui, o que é bom, pois você VAI precisar deles.
Mas há um fator que compensa por essa mamata toda: a falta de continues infinitos. Pois é. Aqui, você tem acesso a três continues com nove vidas cada. Então, morra nove vezes e é de volta pra tela de título, sem choro nem vela. O jogo ainda conta com uma tela de password e o jogador pode abusar dela para progredir, mas as Passwords são aleatórias e mudam a cada gameplay, então cuidado para não começar outra sessão acidentalmente se já estiver no meio de uma.

Melhor ir se acostumando a ver essa tela
Por fim, os controles são provavelmente os mais responsivos na série clássica. O delay na hora de atacar é menor e os personagens andam mais rápido e respondem bem aos comandos do jogador. Eu só não entendo porque diabos a capacidade de atacar em oito direções introduzida em Super Castlevania 4 não foi trazida de volta aqui, sendo que temos menos direções para atacar e ainda assim cada personagem só ataca na diagonal sob uma condição diferente. Não me entendam mal, os controles aqui são bons, mas voltar aos controles mais rudimentares depois da fluidez e liberdade pra golpear que tínhamos em SC4 simplesmente dá uma sensação de regressão.

Mas ufa, chega de falar de gameplay. Vamos prosseguir pras outras partes importantes: Gráficos e som. Afinal, Castlevania sempre apresentou uma direção de arte animal e uma trilha sonora du bambu!

A parte técnica é onde o jogo realmente brilha. A direção de arte e o level design desse jogo são maravilhosos e se complementam muito bem. Em vez de se aventurar apenas dentro do castelo, os personagens percorrem diversos pontos da Europa, como a Torre de Pisa e o Palácio de Versalhes, e cada fase é extremamente bem construída e detalhada e apresenta desafios criativos e adequados a cada localização, que fazem bom uso das habilidades dos personagens, tornando cada fase única e extremamente satisfatória de percorrer. O jogo é um tanto curto, com apenas seis estágios, mas a variedade apresentada pelas mesmas vai garantir que o jogador continue voltando a elas.

Sim, as malditas subidas continuam aqui. E as medusas continuam desgraçadas como sempre.

No mais, o jogo é simplesmente lindo de se olhar. o detalhamento dos personagens, inimigos e estágios, combinado com uma paleta de cores vibrante que, na minha opinião, supera bastante a paleta mais fria e monocromática de Super Castlevania 4, resultam numa experiência de jogo que é simplesmente um deleite para os olhos. Em alguns momentos há até algumas estruturas construídas em 3D, o que é um feito bastante impressionante para a época.


Toda essa melhoria técnica também acrescenta muito ao combate do jogo. Não mais os inimigos simplesmente pegam fogo ao serem destruídos, mas são muitas vezes feitos em pedaços de forma bastante gráfica pra época. Zumbis são partidos ao meio, harpias podem ser decapitadas e ainda continuar atacando o jogador, Um lobisomem é destroçado e seu cadáver mutilado continua se contorcendo na tela depois de morto, e por aí vai, o que torna esse provavelmente um dos Castlevanias mais violentos já lançados (exceto na versão europeia, intitulada The Next Generation, que foi capada até não poder mais). Isso torna o mero ato de acertar um inimigo mais satisfatório, devido à sensação de impacto sentida em cada golpe, o que por si só já torna o combate bastante agradável.



Isso se estende aos chefões também, e temos uma variedade agradável deles aqui. Não mais enfrentamos apenas um no final da fase, em vez disso sendo necessário derrotar um ou mais minichefes no meio da mesma para progredir em direção ao chefe final. No geral, eles são bastante variados e cada um tem uma mecânica específica, e entendê-la é fundamental para derrotá-los. Só o que tenho a reclamar é o do uso um pouco excessivo de chefes armadura (tendo quatro desse tipo no jogo) e do boss rush no final do jogo, em que você deve enfrentar não só a morte (por si só um chefe difícil), mas também Bartley e, por fim, Leslie Nielsen em pessoa, e cada um desses possui múltiplas fases. Embora não seja muito difícil entender suas mecânicas, uma sequência tão brutal pode facilmente cansar o jogador.

É possível derrotar esse lazarento, se o estresse de ser derrubado da torre trocentas vezes não te matar antes
Por último, mas com certeza não menos importante, temos a trilha sonora, que é simplesmente uma das melhores da série até agora. A maior parte das músicas são originais e cada fase tem um tema próprio, que com certeza vai ficar tão marcado a fogo na sua mente quanto Beginning, Vampire Killer ou Bloody Tears. Ah, e a música que toca pouco antes de enfrentarmos Gary Oldman com sua peruca ridícula com certeza vai fazer brotar uma lágrima de nostalgia em qualquer veterano da série. O crédito vai para Michiru Yamane, que teve sua introdução na série nesse game e viria mais tarde a contribuir com a trilha sonora do game de um certo vampiro bishonen muito amado do playstation.

Dito tudo isso, podemos perceber que esse é um título muito bem produzido. Apesar das pequenas falhas, fica claro que Castlevania Bloodlines é muito melhor do que poderíamos imaginar e merece muito mais popularidade. Então, porque essa preciosidade caiu no esquecimento?

Eu imagino que por dois fatores: Primeiro, esse jogo ter saído para um console da SEGA em vez de um da Nintendo, casa da série até então, alienou fãs mais antigos, que não tinham condições de ter dois consoles em casa e deram preferência aos títulos anteriores, cuja popularidade acabou por sufocar esse aqui. O segundo é o fato de ele ter recebido basicamente nenhum  relançamento até muito recentemente. Até mesmo títulos da série que não chegaram no ocidente na época de seu lançamento, como o já citado Rondo of Blood, receberam versões alternativas ou relançamentos que lhes permitiram alcançar uma vasta base de fãs deste lado do planeta, enquanto o Bloodlines permaneceu esquecido pela própria Konami por décadas, numa situação que evidencia o desinteresse preocupante da indústria de games em preservar o próprio legado.

 Felizmente, essa situação foi abrandada pelo lançamento do Sega Genesis Mini, que tem esse game em sua biblioteca, e pelo lançamento da coletânea Anniversary Collection, que inclui todos os clássicos da série lançados até o Bloodlines em "comemoração" ao aniversário da franquia (ou, mais precisamente, pra lucrar fácil em cima da nostalgia dos fãs sem precisar gastar tempo e dinheiro num título novo, como é típico da Konami). Sem essas coletâneas, é provável que Bloodlines permanecesse parcialmente esquecido como outras pérolas de sua época, o que seria uma pena, já que temos aqui um dos melhores títulos da série e, na minha opinião o melhor Castlevania clássico (pelo menos até eu terminar o Rondo of Blood), e que merece um destino muito melhor do que ser soterrado por outros títulos da série.


Acho que já ficou claro que o game é recomendadíssimo. Apesar de alguns problemas com o gameplay, é um título genuinamente divertido e bem feito que merece muito mais amor do que recebeu. E, com a terceira temporada da excelente série de Castlevania da Netflix batendo na porta, não há época melhor pra relembrar ou conhecer essa obra. Portanto, se você deseja tirar o pó dos seus consoles antigos ou quer se aprofundar mais nos jogos antes que a nova temporada chegue, esse título aqui é uma ótima pedida, com um gameplay balanceado e uma qualidade técnica animal que é acolhedora aos novatos e respeita os jogadores mais antigos. Portanto, liga o Mega Drive, vai atrás das coletâneas ou emula se for preciso, mas simplesmente não deixe de aproveitar esse game, que vale muito à pena.

Enfim gente, isso é tudo que eu tinha pra dizer hoje. Queria escrever esse artigo o quanto antes, pra esquentar vocês pra terceira temporada da série e quem sabe usar o interesse gerado pelo trailer da mesma de trampolim pra convencer outros a experimentarem essa gema (e talvez atrair uns leitores em cima de um tópico atual, afinal ninguém é de ferro). se você gostou do artigo, compartilhe nas redes sociais e com amigos, além de curtir a página no facebook e deixar seu comentário, afinal, blogs se alimentam de interação e feedback.

Obrigado a todos que leram até aqui e se cuidem. Espero vê-los aqui no próximo post.

Ah, e evite sair depois de escurecer. Afinal, a noite é horrível pra se ter uma maldição...

Até a próxima!

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